segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A cor da consciência


O branco é o positivo.
O preto reflete em si o negativo.
Mas a minha pele não diz quem eu sou,
A minha mente é quem revela o homem que eu sou:
O mais amável deste mundo,
Que é amado por todo mundo.
O mais terrível de todo o mundo,
Que é odiado por todo mundo.
Mas eu também sou iorubá, nego nagô, quissama, songo,
Sou filho do Murumurutuba, neto do Murumuru, vizinho do Bom Jardim.
Sou filho do quilombo,
E trago no lombo, as marcas viventes de um pretérito imperfeito:
Presente perfeito! Mas que perfeito?
Sou negro sim senhor!
Minha cor jamais mudará: é negra!
Mas a minha consciência é branca.
A sua pele é branca!
Mas e a sua consciência? (negra, branca, preta...)


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Felicidade de Pobre

imagem da internet

Ele era um nada por completo. Filho bastardo de Malena, famigerada meretriz do calçadão de Copacabana na década de oitenta.

Cresceu sem o amor materno. Uma vez que os seios da mãe não davam conta de “amamentar” filhos e amantes ao mesmo tempo. Por isso, tornou-se nômade na infância: visitava orfanato aqui e açula. Numa coisa feliz: tornou-se mendigo ao invés de ladrão, ou outra coisa pior.
O garoto com nome na infância transformou-se em adulto sem passado. Não possuía documento algum. Nem tão pouco a dignidade de um nome. Assim, sem nome, atendia por meros pseudônimos: Mendigo, Sujeira, Zé, Porcaria ou Qualquer Coisa.
A luta suada pelo pão de cada dia o fez homem trabalhador. Seu oficio era catar papelão nas proximidades da Avenida São João. Nas horas vagas, namorava Jesuína, prostituta de meia idade que atendia na Rua Augusta, coração de São Paulo.
O dia se fez comum aos outros. Já a sorte não. Estava Zé Ninguém na sua labuta diária, revirando papelão, quando de súbito seus olhos flamejaram ao ver um bilhete de loteria meio amassado no fundo da lixeira. A ação na tardou. Recolheu o bilhete e como todo “bom pobre” sonhou vida nova na esperança da sorte está contida no cartão.
Pondo-o no bolso, pôs-se rumo ao cafezinho da esquina. Parou diante da porta de entrada fitando os olhos em direção a televisão posta sobre o balcão de atendimento. O apresentador dizia:
_Foram sorteados, ontem à noite, os números da sena: 05, 28, 30, 50, 14, 07.
Mendigo retirou o cartão do bolso. Fez a leitura dos números (ler números ele sabia, ainda que pouco). Alegria infinita! Os olhos flamejaram num instante. Acabava de ser o mais novo ganhador da loteria. Alias, ele não, e sim o bilhete achado. Mas quem se importaria com isso nessas alturas?
Fez-se de “bom pobre” novamente indo ter com sua fortuna o primeiro encontro. Uma maleta cheinha. Sacou todo o dinheiro de uma só vez. Dali um carraço esportivo, desses de filme de ação. Isso depois de muito tentar convencer o vendedor de sua fortuna, já que a aparência não demonstrava.
Chegou pousando de galã em frente ao cortiço da puta-amante. A sonoridade grava da buzina do carraço, fez Jesuína abandonar um cliente em meio aos deleites da cama. Atraída não se sabe pelo mistério da cena ou o fascínio do carro, ela desceu rapidamente as escadas do velho cortiço. Entrou sem avaliar o perigo, no carro. Ao entrar, viu Jesuína Qualquer Coisa a acender um charuto cubano com uma nota de cem reais. Partiram guiados por um “chofer”.
Primeira parada: salão de beleza. Fizeram tudo a custa do premio. Ele, barba, cabelo, pés e unhas. Ela, escova, chapinha, maquiagem e massagem facial. Seguindo, compraram roupas de grife e sapatos importados. Por fim, revitalizaram os semblantes com dentaduras novas.
Brindaram a noite num motel luxuoso de São Paulo, suíte presidencial, onde estiveram a salvo das interrupções diárias de clientes de Jesuína alheios ao seu horário de descanso ou de trabalho.
O sol da segunda feira raiou. Os amantes dispuseram-se a enfrentar a “ressaca amorosa” com um passeio pela cidade. Lá pelas tantas, Zé Ninguém depara-se com um dos seus. Para retribuir o gesto de amor que por tantas vezes lhe fora prestado, dá, por entre o vidro e a janela, uma esmola “generosa” de dez reais para o pedinte. Espanto geral! Não pela esmola gorda. Mas por essa ser a última notinha da maleta.Voltou ao motel para encarar a realidade: carraço, setenta mil reais. Roupas e são de beleza, dez mil reais. Noite de amor, dez mil reais. Frustração e mais nada. Do dia para a noite sua vida mudou. As oito da manha, catador de papelão. Às três da tarde, homem de sorriso de ouro. Nas horas da noite, nos prazeres de uma meretriz feita ninfeta maquiada. E na manha da segunda feira, sem carro com a sola do pé no chão, sem roupas com as vergonhas quase a amostra. E sem mulher só sua: verdadeiro Zé Ninguém. ..

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Contos Eróticos: o doce sabor da virtude do pecado

O comentarista anuncia a segunda leitura.
Uma senhora de cabelos brancos, de pele enrugada, andar vagaroso e usando óculos antigos quase maiores que sua face, dirige-se ao ambão.
Ela recita a passagem: 1Cor 13. Poê-se a ler. Engole as primeiras palavras. O sacerdote observa. Não a quase semi-leitura da senhora, mas o sentimento que os trechos poéticos fazem reviver em seu coração: o encontro com a perfeição tão almejada. O amor na sua forma mais pura um dia depois do ultimo aleluia na centenária igreja, que, para muitos, poderia ser a profanação do sagrado, mas para eles fora o doce sabor da virtude do pecado.
Já levara o sagrado quando a viu sentada. Agora, somente o altar na sua forma mais bruta. Alias, ele, os vultos e as vozes fantasmas, frutos das missas de corpo presente permaneciam no velho casarão religioso.
Eram irmãos na fé. Expressavam-se por monossílabos. Não disputavam espaço com as vozes fantasmas mas liam no lábio do outro o desejo de expressão. Então, fitando ambos os olhos, ela quebrou o silencio com o período que viera pronunciar: “Sou freira. Sou mulher. Sou mais...”.
O pensamento se fez pequeno e o raciocínio uma tormenta. Nem quatro anos de filosofia foi o suficiente para a compreensão da fala.
“O sentimento existe. E não a porque comprová-lo”. Nessa nova fala, ela lhe trouxera um flash back momentâneo e então o mistério se dera por acabar. Em outrora, no discernimento da vocação, foram amantes na busca da palavra que descrevesse o sentimento amoroso. Ele existiu entre eles, não só de passagem, mas guardado para a vida eterna.
E então o religioso voltou a si e afirmou a existência do sentimento: “adormecido sim. Esquecido jamais.”.
Havia um medo de ser feliz. Agora a matemática do amor ganhava nova expressão: a castidade. E isso o grande peso na vida religiosa trouxera um grande medo de perder a felicidade pelo julgamento moral posterior. Mas ousavam. E desta vez não hesitaram em consumar o ato. Assim, os vultos foram célebres expectadores do paradoxo pecado e virtude, praticado sobre o altar.
Os dogmas foram excluídos. O catecismo da igreja católica caíra por terra. Agora a perfeição tão procurada ganhava alma, porém, ainda incompleta.
Abraçou-a pela cintura. Desceu um pouco mais as mãos. E quando se preparava para introduzir, hesitou. Preferiu somente “selar”. E a partir de um estalo no ar o sentimento se definiu como um lindo e delicioso beijo sobre o altar: O amor na sua forma mais pura e inocente.
Quase já sem forças à senhora terminou a leitura dando um leve piscar de olhos para o sacerdote o mesmo olhar na descoberta real do amor de outrora.
“Agora permanecem essas três coisas: a fé, a esperança e o amor, todavia o amor é o maior”... Concluía ela.
-Palavra do senhor
-Graças a Deus

Hora do Almoço ?

Chega então o Valdemar em sua casa para almoçar. 

O feijão ainda no fogo a cozinhar,

Sua mulher no canto a chorar

E seu filho no berço a soluçar
Sem mingau para tomar.
O feijão cozinha,
Está pronto!
E é só este que a fome há de sanar ou pelo menos aliviar,
Já que o salário minimo faltou
E arroz ele não comprou.
O jeito então é improvisar:
Não é peixe, Mas com farinha da de levar.
Não é caviar, Mas o bucho da de enganar
O feijão é pouco
Acabou, Faltou...
Valdemar com fome ainda ficou (está)
Pensando no amanhã:
"Amanhã será diferente,
Meu bom Deus
Eu, hei, de tomar um café quente..."

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Contos: O Homem da Areia e As Babas do Diabo


No conto O Homem da Areia temos aí uma luta travada entre a “perseguição” que o jovem Natanael sofre por Copellius. Desde a meninice, a imagem do homem da areia criada por sua mãe, essa imagem diabolisada pela criada da casa, o acidente e a morte do pai até a vida adulta Natanael sofre com isso. O autor do conto reflete a maneira pela qual deveria contar tal história. Assim, como nas Babas do Diabo vemos o autor mergulhado num dilema crucial: ambos são tomados por espírito que os induz a ter de escrever, a contar: era uma vez... ou logo medias in res; “nunca se sabe ao certo como isto deve ser contado”.
O Homem da Areia destaca a questão dos olhos: olhos que encantam e olhos que enganam. Destaco o momento em que Natanael encanta-se por Olímpia através de seus olhos. Parecem tão reais (como a fotografia), mas não o são.
Uma das características contidas em ambos os contos, além do dilema do autor em como contar a história, esse desprender da ideia da consciência do autor para ser posta no papel, está, também, a ambiguidade.
Nas Babas do Diabo, temos um morto que conta a história. Este relaciona ideias diferentes ao mesmo tempo. No momento em que narra a história relata outras ações que presencia. O conto descreve sobre a imagem fotografada que nem sempre pode ser real.
Já no outro conto temos como forma de ambiguidade a imaginação de Natanael concretizando a figura do Homem da Areia a racionalidade de Clara que julga como delírio ou apenas como construção imaginaria a figura do Homem da Areia cultivada por Natanael.  

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Análise da obra Viagens na minha terra, Almeida Garrett.

De autoria de João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett, Viagens na minha terra, como afirmou o próprio Garret, é um livro “despropositado” e “inclassificável”, uma vez que as espécies literárias misturam-se: relato jornalístico, literatura de viagens, idílio amoroso etc. Tudo numa só obra. E é justamente essa impureza dos gêneros a principal marca deste livro. Almeida Garrett promove o ineditismo ao introduzir na literatura portuguesa “a narrativa dentro da narrativa”. Mas vale ressaltar que o seu gênero “literatura de viagem” já estava em voga. O próprio Garrett deixa claro que a sua obra é fruto do contato com esse tipo de escrita: “que viaje a roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes (...)”. Numa clara correspondência com Voyage autour de ma Chambre, de Xavier de Maistre.
Como já citei há duas narrativas contadas numa só. Dividido em 49 capítulos, primeiramente, o livro narra a viagem verídica que o autor fez até Santarém a convite de seu amigo Passos Manuel. Não se trata de uma viagem simplesmente turística, em que somente a contemplação da beleza é descrita. Mas de um relato de viagem em que o autor tece diversos comentários sobre a situação em que Portugal se encontra, quanto a: riqueza, progresso, literatura, política, modéstia, guerra, clero, amor etc. Isso podemos perceber em passagens como: “a ciência deste século é uma grandessíssima tola. E, como tal, presunçosa e cheia de orgulho dos néscios”. “a sociedade é materialista; e a literatura que é a expressão da sociedade, é toda excessivamente e absurdamente e despropositadamente espiritualista”.
A segunda narrativa inicia quando o autor chega a Santarém e passa a contar a paixão vivenciada entre o casal de primos Carlos e Joaninha. Esse idílio amoroso merece especial atenção. Joaninha – a menina dos rouxinóis – representa perfeitamente a imagem da mulher romântica: seus olhos são verdes, é integra, pura e fiel a seu amor (Carlos). Tem apenas sua avó no mundo. Uma senhora já bastante idosa e cega. Recebe a visita, todas as sextas-feiras, de Frei Diniz. Frade franciscano que escondeu por muitos anos ser o pai de Carlos. Frei Dinis representa o velho poder do estado. Imutável as mudanças. Temos, também, Georgina, mulher que divide o amor do coração de Carlos. E por fim, temos o personagem Carlos que representa o alter ego de Almeida Garrett.
O tempo entre as duas narrativas não é linear. Entre uma e outra o autor faz diversas digressões sobre assuntos suscitados pela observação do estado atual de Portugal: desde o canto dos rouxinóis a situação política vigente. Só depois disso que Ele assume a narrativa deixada anteriormente. É um narrador-autor, em que a primeira pessoa predomina. Utiliza-se de vocativos para prender a atenção do leitor (leitora) ao enredo da obra: “leitor benévolo, leitor amigo...”. Deixa clara a recusa clássica de se fazer literatura ao deixar de lado os amiúdes das descrições clássicas: “vamos à descrição da estalagem; não pode ser clássica; seja romântica”.
Segundo Massaud Moisés (A literatura portuguesa, 2010) “o mais significativo da obra reside no idílio entre a campônia e ingênua Joaninha e o inglesado e conflitivo Carlos”. Em Carlos, percebe-se a “projeção confessional da própria vida interior de Garrett: Carlos é talvez o mais autêntico de seus alter egos”. Já Joaninha, como já disse, representa o ideal romântico de mulher. Sua relação com Carlos nos faz lembrar o fim trágico dos amores românticos que conhecemos: Joaninha ao saber que o amor que Carlos sentia por ela era dividido com outra mulher (Georgina) entristece-se e morre de desgosto. Já Georgina, não tendo o seu amor concretizado por Carlos, enclausura-se como abadessa de um convento.


O Calouro


Estava sentado ao meu lado. Calçava sandálias de pastor. A camisa estava suja de lama. E na mesma proporção, também a calça. O cabelo crescido e a barba mal feita traziam a lembrança do famigerado revolucionário argentino Ernesto Che Guevara. A fragrância do perfume já não mais exalava. No braço esquerdo duas pulseiras artesanais. E nos dedos anéis de tucumã simbolizavam a sua opção em defesa dos menos favorecidos. Era de fisionomia pequena: estatura mediana e de pouca gordura.
Ouvia atentamente as palavras de boas vindas do Reitor da Universidade Federal do Pará. Emocionava-se com cada frase pronunciada, cada vírgula pausada, cada entonação da fala. Revivia todo o caminho percorrido até a aprovação. Parecia estar sozinho naquele auditório. O seu silencio era profundo e sua seriedade imperturbável.
Antes narrara a longa jornada até o triunfo da vitória. A vida se resumia no antes e depois do seminário. De lá trouxe consigo o gosto pelas veementes homilias, o trabalho pastoral, a empatia pelos irmãos e o gosto pelo conhecimento. Nunca fora grande amante, no mais tenha vivido um ou outro amor platônico. E daí o fruto de muitos poemas românticos na adolescência.
Na medida em que os poemas surgiam, surgia também o homem intelectual. O gosto pela escrita talvez remeta a mesma idade de Cecília Meireles pelo domínio da língua e da escrita. Daí a opção pela faculdade de letras. E pelo brilho nos olhos o sonho era concretizado. Os olhos não eram dissimulados, mas instigantes. Falavam por si só. Podia-se ver neles, o reflexo perfeito de quem os viam: eram sinceros. Sincera também era a alma de quem os tinham.
O discurso do Reitor findou-se. Aquele jovem, logo desapareceu sem dar-me as considerações da despedida.
No caminho para casa, alegrava-me por dois motivos: Ter conhecido na aula magna um colega de sala. Também por saber que em muito ele se parecia comigo. E confesso sem medo de pecar que naquele momento senti inveja, quis ser o Rômulo, sem mesmo conhecê-lo mais profundamente, sem mesmo me importar com a camisa suja de lama, o cabelo crescido ou a barba mal feita. E o pior: a falta de perfume
.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Reflexões Linguisticas


Texto 01:

Não muito tempo, o ensino da matéria de língua portuguesa estava engessado na gramática. Creio que, só depois que o professor passou a se perguntar a finalidade do estudo desta matéria para falantes nativos, é que o ensino de língua deu um grande passo. Isso graças à linguistica, que nos fez perceber que o nosso idioma não está presente somente em nosso território nacional. E se a nossa língua transita em terras do além-mar, temos então um português brasileiro. Marcado por características regionais, que nem de longe formam uma língua homogênea. Temos um mar de variações linguisticas. Variações estas cada vez mais próximas da sala de aula. Entrelaçando mais e mais no ensino de português. Rompendo o gesso da gramática normativa.
A mudança é tamanha que hoje não basta somente à decodificação da palavra, é preciso “letrar” por meio de um ensino que aceite as diversas variações.
Tais mudanças não são unanimes. Há quem prefira que a gramática normativa reine soberana em sala de aula. Já outros, até se agradem dos conceitos linguísticos. E outros ainda, adotem um ensino de língua por meio de análise linguistica. E você? 

Texto 02:

Nós fala “errado” porque nós quer. Será?
O nosso português atual não parece ser a realização espontânea de cada falante, mas o resultado do multilinguismo que nos formou. Herdamos desde termos da culinária africana (vatapá, feijoada...) a expressões atuais oriundas da terra do Tio San: Ex May Love, se botar teu amor na vitrine, ele nem vai valer R$1,99. Passamos por várias “torres de babel”, em que a heterogeneidade linguística não foi o fim, e sim o começo: o português que conhecemos. Isso nos fez diferentes de nossos irmãos lusitanos: nas variações linguisticas, no sistema fonológico, e até mesmo na significação das palavras. Um amazonas de variações (diacrônica, diatópica, mercado de trabalho, grupo social). Lembro-me de um balneário em alter-do-chão, que no início chamava-se “vamos em boa hora”depois “vambora”, “embora” até se chamar “boralá”. Ou ainda, quem de vós pegou uma “bicha” hoje? Mas não basta só sabermos o processo. É preciso tornar útil o conhecimento. E a grande questão hoje é se há a possibilidade de casamento entre a gramática e a linguística. Ou se o divórcio é eminente. Muitos torcem pela relação matrimonial. Outros nem querem que o namoro comece. O fato é: só a gramática não é capaz de formar escritores/leitores competentes. A fórmula até parece óbvia: só se aprende a ler, lendo. Só se aprende a escrever escrevendo. Antes da ortografia vem o pensamento, o encadeamento das ideias, a organização do texto ainda inédito. Aí nos perguntamos: é possível essa nova concepção de ensino de língua? O que é melhor: saber o “certo”, mas falar errado porque nós quer? Saber o “certo e o errado” e usar o que acharmos melhor?

Resumo do livro Preconceito Linguístico: o que é, como se faz


BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 54ed. São Paulo: Edições Loyola, 2011.

Existe uma série de (pré) conceitos relacionados ao português falado no Brasil, julgando-o desde um idioma muito difícil de ser aprendido, inclusive pelo próprio falante materno, a uma língua homogênea num território de mais de 190 milhões de falantes. Com o objetivo de desconstruir pensamentos como esses é que Marcos Bagno desmistifica oito principais mitos de uma mitologia do preconceito linguístico. A saber: Mito n° 1: “O português do Brasil apresenta uma unidade surpreendente. A afirmação sacramentada por muitos, crê numa fala homogênea em que ela seja comum a mais de 190 milhões de brasileiros. Esse pensamento exclui diversos fatores linguísticos e extralinguísticos responsáveis pela heterogeneidade que o português brasileiro assume. Mito n°2: “O brasileiro não sabe português/ Só em Portugal se fala bem português. Esse mito reflete um complexo de inferioridade de um povo que traz consigo as marcas da colonização em que a própria língua é subjugada inferior em relação à língua do país colonizador. Chegando ao absurdo de dizer que o próprio falante, embora materno, não saiba seu próprio idioma por não utilizá-lo tal quais seus irmãos lusitanos. Mito n°3: “Português é muito difícil”. Essa ideia só corrobora o mito anterior de que “brasileiro não sabe a sua própria língua”. Na verdade, confunde-se a o uso da língua com o estudo da gramática baseada em normas gramaticais literárias de Portugal. Por isso, que esse mito ainda ganha teor de verdade, uma vez que a dificuldade se encontra nas inúmeras regras gramaticais, muitas das quais, desvinculadas do uso real da língua. Mito n°4: “As pessoas sem instrução falam tudo errado”. Esse pensamento crê na tríade escola-gramática-dicionário como o único caminho possível para a iluminação no uso correto da língua portuguesa. Logo, as pessoas menos escolarizadas, ou que não passem pelo caminho já citado, têm a sua manifestação linguística considerada como errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente. Mito n°5) “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”. Esse mito tenta se auto justificar tomando por base o fato de no Maranhão usar-se com certa regularidade o pronome “tu”, marcação especifica verbal da segunda pessoa. Mas o mesmo falante por vez esquece-se desse arcaísmo e realiza construções em que o “tu” é substituído por “ti” assumindo a mesma forma do pronome “mim” posposto da preposição para, anteposto de verbo no infinitivo. Mito n°6) “O certo é falar assim porque se escreve assim”. Esse mito logo cai por terra, pois, em nenhuma língua do mundo fala e escrita se equivalem. A escrita surgiu como uma tentativa de representação da fala. Além do que, muitos sons não podem ser diferenciados na fala como o “u” e “l” finais. Mito n°7: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Esse mito é facilmente desmistificado, pois, se é preciso saber gramática para falar e principalmente escrever bem, nossos grandes escritores teriam seus rótulos de “imortais” cassados por inabilidade gramatical, já que muitos desses declararam desconhecer o âmago das regras e exceções gramaticais. Mito n°8: “O domínio da norma-padrão é um instrumento de ascensão social”. Se essa ideia de fato fosse verdadeira, os professores de língua portuguesa estariam no topo da pirâmide social. Pois quem além deles tem relação tão íntima com o idioma. Por outro lado, a falta de domínio da norma-padrão não é fator condenatório a exclusão social. Trabalhadores aquém dessa variedade linguistica, também, podem ascendem socialmente.
Terminado os mitos, ainda é discorrido “o circulo vicioso que o preconceito linguístico assume” percorrendo desde os livros didáticos, gramáticos e suas gramáticas normativistas até programas de TV’s com seus quadros em que o português é paciente agonizante a espera de medicação. Seguindo o raciocínio, é apresentada “a desconstrução do preconceito linguístico”, em que, primeiramente, é preciso reconhecer a crise pela qual o ensino de língua está passando. Depois, adotar uma mudança de atitude refletindo sobre questões como: o que é ensinar português? O que é erro? Tudo vale na língua? O que é mais importante em um texto: os “erros” ortográficos ou o encadeamento lógico das ideias?
Por fim, “o preconceito contra a linguística e os linguistas” é debatido, inicialmente, atestando a ciência da linguagem uma importância muito grande. Pois, mesmo antes do cristianismo essa ciência já era estudada. Em seguida, há reflexões sobre o “português ortodoxo”, “devaneios de idiotas e ociosos” e por último: “a quem interessa calar os linguistas”?